2 lógicas: a de Francisco e a de Tomé

Francisco e o velho rádio cujas canções embalavam seus sonhos
Francisco e o velho rádio cujas canções embalavam seus sonhos

por Leandro Marques
Blog “Deus e o Mundo”

Assisti, finalmente, o filme 2 Filhos de Francisco, que conta a história da dupla sertaneja Zezé de Camargo e Luciano. Embora tivesse ouvido muitos comentários positivos a respeito do drama dirigido por Breno Silveira, confesso que não tinha a menor idéia do que me aguardava quando aluguei o DVD, dias atrás, e me sentei diante do velho aparelho de tv de 20 polegadas que eu e minha esposa mantemos em nosso quarto.

O que para mim era uma incógnita, veio a ser uma grata surpresa. Fui profundamente tocado pela poderosa história de Francisco – um lavrador incauto e visionário que apostou todas as suas fichas no sonho improvável de transformar dois de seus nove filhos em astros da música brasileira.

É desnecessário dizer que o sonho de Francisco tornou-se realidade. Mas eis a pergunta que o filme parece querer responder: como? Como é possível um caipira pobre, sem-instrução, e de poucos amigos realizar tal sonho aparentemente impossível? Como Francisco conseguiu aquilo que a maioria das pessoas não conseguiria? O que Francisco tem que falta na maioria de nós?

A meu ver, a resposta a esta pergunta cabe em uma única palavra: fé. Francisco era um homem de fé. Uma fé não-tematizada, certamente. Uma fé talvez não-religiosa (se é que existe fé que não seja religiosa em sua essência e natureza). Mas uma fé verdadeira e profunda. De algum modo que, nem o filme, nem nada é capaz de explicar, Francisco cria que seu sonho era realizável.

Segundo o escritor sagrado, a fé é “a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem” (Hebreus 11:1). Certamente era isto que o movia: a visão do invisível, a convicção de que o impossível podia acontecer. Diferente de São Tomé que precisou ver para crer, Francisco fez o caminho inverso: creu e, por isto, viu.

Não é novidade o fato de que a maioria de nós, indivíduos modernos maculados pelo vírus do racionalismo cientificista, abraçamos a lógica de Tomé como nossa atitude básica diante da vida. Duvidamos de tudo até que nos provem o contrário. Se não vemos, não cremos. Se não for razoável, taxamos de impossível. Assim, cremos apenas no que faz sentido, no que é provável, previsível, mensurável e conhecido. E desse modo descartamos sem mais uma gama enorme de possibilidades inusitadas e maravilhosas. Afinal, não é verdade que as coisas mais belas e importantes da vida escapam à razão analítica e não se prestam a muitas explicações?

Ora, quem se orienta pelo possível rouba da vida a dimensão do surpreendente, do transcendente, do misterioso. E assim limita demais as suas possibilidades. Em contrapartida, quem crê contra a própria probabilidade das coisas descortina diante de si um universo infindável de alternativas onde mesmo o impoderável é contado como opção.

Quem, à semelhança de São Tomé, espera ver para crer saí perdendo. De outra parte, quem abraça para si a lógica de Francisco, é mais bem-aventurado. Pois, pela fé, chama a existência o futuro ainda desconhecido. Com efeito, a fé de que o sonho impossível pode acontecer é o primeiro passo para sua concretização histórica. Esse foi, me parece o segredo de Francisco. Ao contrário da maioria de nós, o pai de Zezé de Camargo e Luciano viveu todo tempo nesta expectativa, carregando no ventre o futuro que aguardava ver nascer. E um dia, como fruto maduro que cai do pé, o sonho de Francisco nasceu.