“Quando eu era menino,
falava como menino,
sentia como menino,
pensava como menino;…”
Quando eu era menino vivi momentos mágicos. Lembro de uma chuva de papel picado. Não era festa de fim do ano. Não era gol da Seleção Brasileira. Era 1983. Era gol do Flamengo contra o Santos na final do Brasileiro.
Quando eu era menino podia colecionar craques de verdade em álbuns onde eles eram carimbados como reconhecimento de sua arte.
Quando era menino ficava ouvindo no radio jogos épicos e alguns destes nem eram de meu Flamengo.
Quando era menino eu queria ser Zico, Sócrates, Dinamite, Rivelino, Falcão entre outros.
Quando era menino lia a revista Placar, onde havia reportagens sobre jogadores que davam suas vidas pelo seu clube de coração. Não era somente pelo dinheiro, mas havia também amor à camisa.
Quando era menino apesar do desconforto, eu ia ao estádio enfeitado. Cheio de bandeiras, Charangas e chuva de papel higiênico. Sim, rolos de papel higiênicos! Que desciam da arquibancada num lindo espetáculo.
“…quando cheguei a ser homem,…”
Ontem vi cenas que fez o menino perceber que há também uma outra realidade.
Quando nos tornamos homem, é preciso ver a vida de forma diferente. E isso não tem em nada a ver com perder o viço da alegria infantil. É um caminho para perceber o que está a nossa volta.
Não há mais chuva de papel picado em final de campeonato. Nem com final do Flamengo, nem da Seleção.
Hoje os álbuns de figurinhas são vazios de craques e estes nem carimbados o são. Craques, mesmo que duvidosos, são de outros países. É só ver crianças com camisas de clubes europeus, pois os meninos de hoje conseguem demonstrar que algo esta errado aqui.
Hoje querem ser Cristiano Ronaldo, Messi, Ibra e tantos outros. E Neymar? Pode colocar também no bolo. Afinal quando eu era menino e lia Sandro Moreira, João Saldanha, Armando Nogueira aprendi que craques eram sobrenaturais. Figuras épicas. E isto me parece bem diferente do que há nos gramados destes dias.
Hoje a cultura é de celebridade. Tudo é montado para parecer o que na verdade não se é. Revista Placar ainda existe. Você sabia disto? O editoral é igual ao da revista Caras. Assim como não há mais sangue nas veias, também não há amor à camisa. Amor só ao dinheiro e ao noticiário que alimentam paparazzi e programas de fofocas/celebridades.
Hoje há o tal padrão Fifa. Tudo cheio de conforto. Não que eu seja contra. Creio ser o caminho de um desenvolvimento e respeito ao público. Pena que com isso haja a elitização nos estádios. O que também é um caminho natural, afinal futebol hoje é dinheiro.
“…desisti das coisas próprias de menino.”
Apóstolo Paulo em 1 Corintios 13.11
Ontem, sentado em meu sofá vejo o porque do uso ARENA ao que era estádio. Em meu sofá pude ver CLOSES de seres humanos chutando os outros. Covardes em bando pisando, chutando, socando outros. Barras de ferro, ou pedaços de pau eram armas.
Lembrei-me do que poderia ter me tornado.
Quando era adolescente me encantei com as ‘torcidas organizadas’. Fui em alguns jogos, ficava no meio dela e dizia em plenos pulmões que era membro desta ‘organizada’.
Ali foi uma das primeiras decepções com o mundo do futebol. Os membros da ‘torcida’ não eram Flamengo. Eles diziam ser. Só que na realidade torciam por si mesmos. E com isto, se orgulhavam de seus crimes cometidos. Vibravam mais com o poderio adquirido com brigas do que com os gols de Zico em seu fim de carreira.
Sai daquilo e nada muda minha opinião: estas FACÇÕES CRIMINOSAS deveriam ser banidas e muitos membros deveriam ser presos!
Ontem ali em meu sofá eu me revoltei, gritei, falava como se estivesse ali no meio daqueles bárbaros. Minha atitude se pareceu com quem queria apartar aqueles moleques e relembra-lhes que são adultos.
Até o momento que escrevo este texto, não há confirmações sobre mortes dos quatro feridos de maneira grave.
Na verdade quem morreu ontem fui eu.
Durante anos eu dizia que o futebol havia morrido no dia 06 de fevereiro de 1990 quando meu ídolo, Arthur Antunes Coimbra, parou de jogar.
Ontem minha paixão pelo futebol como um todo morreu, foi enterrada e agora curto o luto.
Se em 1990 a arte deste esporte morreu pra mim, ontem quem morreu foi o próprio esporte.
Com isto não digo que eu deixarei de ver jogos ou coisa parecida. O menino sobrevive e de vez em quando vem conversar comigo sobre o que vi. E isto me faz bem.
Só que o homem que sou me avisa que hoje o mundo é outro.
Um mundo que assiste a uma barbárie e, meia hora depois, volta ao espetáculo como se nada tivesse acontecido.
Para não perder a esperança neste mundo, decidi que algumas vezes chamarei o menino para brincar com uma bola de meia.
E creio que isto me basta!